[:pt]
É lugar comum, embora verdade, dizer que um país não tem futuro sem ciência, tecnologia e inovação. De fato, não é possível que uma sociedade moderna alcance a justiça social e econômica sem promover a geração de bens e produtos baseados no conhecimento. A produção de bens com alto conteúdo tecnológico melhora a qualidade e eficiência dos serviços, fomenta a formação intelectual e profissional, gera postos de trabalho qualificados e estimula a introdução de elementos inovadores na atividade econômica.
A despeito dessa obviedade, o Brasil não consegue avançar nesse setor, como se estivesse eternamente amarrado a correntes que mantêm o país no passado. O problema é que o tempo perdido na corrida tecnológica não é jamais recuperado, já que a fronteira do conhecimento se move com enorme velocidade e a inércia equivale a andar para trás em
relação aos demais países do mundo.
É importante observar que o país tem colecionado enorme número de retrocessos nesse setor. Por exemplo, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação foi fundido ao Ministério das Comunicações, gerando uma pasta híbrida que parece ter mais apetite para as questões regulatórias que para o fomento à pesquisa e à formulação das prioridades tecnológicas do país. Logo, não surpreende que a área venha sendo submetida a monumentais restrições orçamentárias, que vêm forçando jovens pesquisadores brasileiros a deixarem o país.
Como resultado, o Brasil ocupa vergonhosa centésima posição na categoria Inovação do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial e está sempre entre os últimos em todos os rankings de empreendedorismo e inovação disponíveis no mundo. Isso ajuda a explicar a baixa qualidade dos empregos existentes no país e os milhares de pós-graduados que encontram dificuldades para se integrarem plenamente no mercado de trabalho.
A capacidade de inovação da economia depende, dentre outras coisas, de uma base de conhecimento sólida, cuja construção exige décadas de investimentos continuados em laboratórios e na formação das pessoas. Por isso, a interrupção dos investimentos no setor, mesmo que por curto período, pode provocar grandes estragos, desmontando um patrimônio que se constrói apenas no longo prazo. Depende também da boa articulação entre agentes econômicos, universidades e instituições de pesquisa, cuja métrica principal é a confiança e a colaboração.
Portanto, a visão estratégica de longo prazo impõe também a compreensão de que empresas, universidades e institutos de pesquisa não desenvolvem relações de prestação de serviços, mas de construção conjunta do ciclo inovador. A Lei de Inovação promulgada em 2016 veio dar um bafejo de modernidade a esses relacionamentos, mas parte significativa da estrutura cartorial do Estado brasileiro insiste na interpretação ultrapassada de que o processo de inovação pode ser tratado sob a luz da lei 8666, que trata das compras do Estado.
Isso se deve em parte ao fato de que vários regulamentos previstos ainda não foram promulgados, mas principalmente à incapacidade generalizada da burocracia do Estado entender o processo de inovação e a sua importância para o futuro do país. Como só acontece no Brasil, a recém-nascida Lei de Inovação corre o risco de não pegar, mantendo o país e suas instituições de pesquisa no atoleiro do passado.
Nesse cenário, os brasileiros comprometidos com o futuro devem estar atentos e prontos para resistir às forças do retrocesso; até porque não é possível conceber mais perda de tempo nessa área. E por contraditório que possa parecer, a mais prolongada e profunda crise da história da economia brasileira pode também ter criado condições para que o país avance mais rapidamente na área de inovação.
É patente que as grandes empresas reduziram muito seus quadros nos últimos três anos, mas nesse período também têm sido feitos investimentos crescentes em automação, inteligência artificial e acesso distribuído à informação corporativa, constituindo um dos poucos setores em que o crescimento econômico continuou avançando. Assim, há possibilidades reais de que uma política estruturada para o setor, a chamada Indústria 4.0, possa servir de motor para o desenvolvimento tecnológico consistente do país.
Deve-se também ressaltar que, a despeito da depressão prolongada e do pessimismo generalizado, o número de ambientes de inovação (incluindo espaços de trabalho colaborativo, incubadoras de empresas e parques tecnológicos) aumentou no período, assim como o de empresas residentes nesses ambientes. Somado ao interesse crescente dos jovens pela atividade empreendedora nos ambientes universitários, parece ser esse o momento para alavancar iniciativas e consolidar uma política de fomento à criação e aceleração de startups.
Nessa linha, é fundamental a promulgação de regimes diferenciados para contratação de startups pelos diferentes níveis de governo e empresas estatais, em particular quando essas instâncias aportam recursos para o desenvolvimento das tecnologias que startups transformam em produtos e serviços. Não se trata aqui de burla à Lei de Licitações, mas de continuidade do processo de inovação e encadeamento dos elos das linhas de produção.
Finalmente, é preciso ainda aportar confiança e segurança jurídica aos relacionamentos que se estabelecem entre os entes inovadores. Não faz sentido, por exemplo, que relacionamentos baseados no desenvolvimento conjunto de tecnologia e inovação, em particular nas parcerias entre entes públicos e privados, não reconheçam que contratos de longo prazo estão sujeitos a mudanças, como a eventual necessidade de compartilhar instalações e propriedade intelectual com novos parceiros e de transferir bens e contratos para novos atores, sem que para isso seja necessário rescindir os acordos originais.
Há 40 anos não existiam a internet, o telefone celular, o Google, a Amazon, o Facebook, sendo absolutamente contraproducente estabelecer regras contratuais para os próximos 40 anos que não admitam como ponto de partida a única certeza possível – a de que o mundo e a economia vão mudar. E o Brasil precisa também mudar, deixando para trás o
passado que nos aprisiona.
José Carlos Pinto é diretor executivo do Parque Tecnológico da UFRJ.
* Originalmente publicado no Valor Econômico: http://www.valor.com.br/opiniao/5074476/um-futuro-que-precisa-deixar-o-passado-para-tras#impresso528172
Clique na imagem abaixo e confira também a entrevista concedida por José Carlos Pinto ao Canal Futura:
[:]