O fato do Brasil investir apenas 1,2% do PIB em CT&I, contra perto de 4% de países como Coreia e Israel, não constrange as autoridades
Agora é oficial: aquilo que já causou a queda de uma presidente está liberado pelo Congresso. Para pagar a conta do apoio político do centrão, arranjo feito entre o presidente da Câmara e o Governo Federal fura o teto de gastos e a meta de déficit fiscal para viabilizar R$ 16 bilhões de emendas parlamentares enfiadas no orçamento pelo seu relator. O imbróglio do orçamento, considerado inviável por subestimar na cara dura despesas obrigatórias para acomodar pleitos da base aliada, já foi esmiuçado por especialistas. A questão agora é saber quem e como se vai pagar a conta, incluindo aí o que sobra para a ciência e tecnologia do país.
No limite das negociações, o orçamento criativo suprimiu do denominador da equação o Pronampe – Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte e o BEm – Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para fins de cálculo do teto e déficit. Somando-se ao que já havia sido eliminado antes, como o auxílio emergencial, a operação leva o dedo fura-bolo para perto de R$ 100 bilhões. Por coincidência, estes dois itens equivalem aos tais R$ 16 bi. Salvou as emendas e jogou o problema lá pra frente, aumentando o deficit público, que marcha ligeiro para 100% do PIB. Cresceu também o déficit de credibilidade do ministro Paulo Guedes, cujo fervor liberal não resistiu a 2 anos de frigideira da política real. Flagrado há duas semanas cozinhando um pacote fura-teto, o Ministério da Economia descartou o prato mas aproveitou a receita.
Como o nível de ajustes necessário será maior do que o acordo feito no Congresso, outras rubricas devem ser remanejadas para bancar as despesas obrigatórias subdimensionadas no orçamento 2021. É aí onde pode entrar o FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O Fundo foi reestruturado por meio da Lei Complementar 177/21. Essa lei sofreu dois vetos do presidente. No vai e vem das negociações, um dos vetos foi derrubado, resultando daí a proibição de contingenciamento dos recursos do Fundo. Uma grande vitória.
Para se ter uma ideia do que isso representa, a proposta orçamentária para este ano previa valor superior a R$ 5 bilhões, dos quais 90% ficariam contingenciados. Objetivamente, o orçamento real para a pesquisa e inovação seria reduzido a pouco mais de R$ 500 milhões. Pois bem, com a nova lei do FNDCT, a boa contabilidade foi restaurada e R$ 5 bi são R$ 5 bi. Mas a astúcia tem seus métodos, e a Lei 177/21, que foi aprovada (17/03) antes da Lei do Orçamento (25/03), não foi sancionada pelo presidente no tempo devido (a assinatura só encontrou o documento em 26/03), de sorte que, não sendo sancionada, formalmente não existe. E não existindo, não pode ser considerada no orçamento.
Foi o que aconteceu. Desta maneira, a comunidade científica e quem joga no time da ciência tecnologia e inovação ganhou mas não levou, e o FNDCT provavelmente será, mais uma vez, contingenciado, devendo ser objeto de negociações desgastantes para se preservar um mínimo. O Governo já sinalizou suas intenções ao propor, em reunião da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, dia 7 de abril, que seja liberado R$ 1 bilhão em alguma janela orçamentária e R$ 2,5 bilhões posteriormente, por meio de um PLN, projeto de Lei do Congresso Nacional. Compromissos assim, sem data, são frágeis. Além disso, a conta não fecha, ficando, na melhor das hipóteses, a meio caminho do que a Lei determina. Coisas do Brasil. Existe uma probabilidade real de judicialização da matéria. Mas, do ponto de vista prático, dará no mesmo, considerando-se o ritmo dos processos legal e legislativo combinados.
Os otimistas ainda dizem que há saída para financiamento da moribunda ciência nacional este ano. Seria por meio do referido PLN. Os pessimistas dizem que não, que governos assim, hostis à ciência e ao conhecimento, usarão a oportunidade de contingenciar o FNDCT para cobrir as falhas do orçamento. Os realistas esperançosos, categoria criada por Ariano Suassuna para designar quem fica entre os tolos da primeira e os chatos derrotistas da segunda, dirão que as chances da ciência são diminutas diante da pauta política congestionada por CPIs, déficit fiscal, teto de gastos, pedidos de impeachment e eleições à vista.
O fato do Brasil investir apenas 1,2% do PIB em CT&I, contra perto de 4% de países como Coreia e Israel, não constrange as autoridades. Porque investir em ciência, tecnologia e inovação é uma operação que transcende o tempo presente, e somente lá na frente é que se vai colher o fruto da decisão acertada. Coisa para estadistas. O que o governo precisa agora é de voto no Congresso e apoio fora dele. Isso tem preço. Um sério candidato a pagar a conta é o FNDCT.
Autor: Francisco Saboya – Presidente da Anprotec
Fonte: My News