A Plenária 4 da 35ª Conferência Anprotec trouxe ao debate um dos temas mais urgentes para o futuro da inovação no Brasil: como startups, empresas, universidades e governo podem efetivamente colaborar para gerar valor mútuo e acelerar o desenvolvimento tecnológico do país. Realizada na tarde de quarta-feira (14), a sessão reuniu gestores, empreendedores e pesquisadores para discutir não apenas as oportunidades, mas também os desafios estruturais que ainda impedem uma cooperação mais profunda e diversificada entre esses atores.
Guila Calheiros, Diretor de Planejamento e Gestão da EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), abriu a plenária contextualizando o papel da instituição como organização social sem fins lucrativos que atua estrategicamente como ponte entre empresas e instituições de pesquisa. A EMBRAPII representa um modelo importante de intermediação que busca acelerar a transferência de conhecimento da academia para o setor produtivo, financiando projetos de pesquisa aplicada que atendam demandas reais do mercado.
Calheiros destacou que a colaboração entre diferentes atores do ecossistema de inovação não é apenas desejável, mas essencial para promover crescimento sustentável e impulsionar avanços tecnológicos que possam ter impacto econômico e social. “Estamos vivendo um momento em que a inovação isolada já não é suficiente. É na intersecção entre startups ágeis, empresas consolidadas, universidades produtoras de conhecimento e políticas públicas bem desenhadas que surgem as soluções mais transformadoras”, afirmou.
Anna Cláudia Alves de Souza, co-fundadora e diretora técnica da Recombine Biotech, apresentou um caso exemplar de como a colaboração universidade-empresa pode gerar inovação com impacto direto no mercado. A Recombine é um spin-off da Universidade Federal de Viçosa (UFV) voltado para pesquisa, desenvolvimento e produção de moléculas recombinantes.
A startup atua em três frentes estratégicas: saúde animal, saúde vegetal e agri-food, com especial ênfase nesta última. Anna apresentou um dos produtos mais inovadores da empresa: um teste rápido que permite a detecção de biofilmes em tempo real, promovendo o monitoramento eficaz da validação e higienização de superfícies e ambientes críticos para a saúde comunitária, como laticínios e frigoríficos. A solução funciona por meio de um aplicativo que torna o processo acessível e ágil.
“A capacidade da startup de atuar em diferentes segmentos com complexidades específicas é nossa expertise. Compreendemos as particularidades de cada mercado e adaptamos nossas soluções para responder às necessidades reais de cada setor”, explicou Anna. Sua fala ilustrou como startups nascidas dentro do ambiente universitário podem desenvolver capilaridade comercial e inteligência de mercado, combinando rigor científico com agilidade empreendedora.
Igor Santos Tupy, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), trouxe uma análise crítica e baseada em dados sobre os “Rumos da Cooperação Interinstitucional”, destacando estratégias para fortalecer vínculos entre academia e setor produtivo.
Tupy contextualizou a expansão dos ambientes de inovação no Brasil como um fenômeno que tem aproximado fisicamente instituições de ensino e empresas. Entre 2016 e 2023, esses ambientes cresceram aproximadamente 150%, um verdadeiro boom no povoamento de parques tecnológicos, incubadoras e aceleradoras. Dados mostram que 89% dos parques em operação têm vínculos com instituições de ensino superior (IES), 48% são governados por elas e 41% localizam-se em terrenos de propriedade de universidades.
No entanto, o pesquisador alertou que a proximidade física não é suficiente. Existem barreiras cognitivas, organizacionais e institucionais que ainda dificultam uma cooperação verdadeiramente efetiva. “A expansão recente dos ambientes de inovação aproxima empresas das universidades, mas é preciso ir além do espaço físico compartilhado. Precisamos de novos modos de cooperar”, afirmou.
Baseando-se em dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (DGP/CNPq) — única base nacional com dados sistematizados sobre interações universidade-sociedade —, Tupy apresentou evidências preocupantes. Embora tenha havido crescimento no número de grupos de pesquisa e em suas interações externas entre 2016 e 2023, a maioria das colaborações ainda se concentra em pesquisas científicas sem aplicação imediata.
Os dados revelam baixa diversificação nos modos de cooperação. Entre os tipos de relacionamento mais frequentes estão a “pesquisa científica sem uso imediato” (que representava 53,5% das interações em 2016 e caiu para 47% em 2023) e a “pesquisa científica com uso imediato” (29,7% em 2016 e 21,6% em 2023). Outros tipos de colaboração mais aplicados, como consultoria técnica, transferência de tecnologia, desenvolvimento de software e engenharia não-rotineira, permanecem com participação marginal.
Quanto às formas de remuneração, o cenário é igualmente limitado. O modelo “Risco” (em que universidades e empresas compartilham riscos e benefícios) cresceu de 34% para 42% entre 2016 e 2023, mas formas como “Bolsas e Transfer. RH” (bolsas e transferência de recursos humanos) e “Outro tipo de recurso” continuam com participação modesta. Isso indica que, apesar de algum avanço, ainda falta flexibilidade e criatividade nos arranjos contratuais e financeiros.
“Empresas de base tecnológica trazem demandas de soluções rápidas e concretas. Isso pode não ser acompanhado pela tendência de como os grupos de pesquisa, nas universidades, cooperam com parceiros externos”, observou Tupy. “É nesse cruzamento — quando inovação e conhecimento caminham juntos, com propósito e estratégia — que surgem os verdadeiros avanços.”
O pesquisador enfatizou que é preciso construir mecanismos que possibilitem a diversificação dos modos de cooperação e das formas de remuneração para alinhar necessidades, demandas e expectativas entre parceiros. Os ambientes de inovação, como parques tecnológicos e incubadoras, têm potencial para atuar como mediadores e catalizadores desse processo, facilitando a tradução entre a linguagem acadêmica e as necessidades práticas do mercado.
Luiz Donaduzzi, presidente do Biopark — um dos mais importantes parques tecnológicos do Brasil, localizado em Toledo (PR) —, encerrou a plenária compartilhando sua visão sobre um elemento frequentemente negligenciado nos debates sobre inovação: a educação.
Donaduzzi destacou os desafios de gerir um parque tecnológico com ênfase especial na formação de talentos. Segundo ele, a educação tradicional está cada vez mais inadequada para atender às demandas das empresas inovadoras. A partir dessa percepção, o Biopark fundou uma universidade de excelência que busca estimular o ensino em sua maior potência, utilizando metodologias ativas de aprendizagem.
No modelo educacional adotado pelo Biopark, os alunos ganham autonomia, mas também assumem responsabilidade pelo próprio aprendizado. “Este modelo está dando certo. Muitos alunos têm dificuldade de retornar ao modelo tradicional depois de experimentarem essa abordagem”, afirmou Donaduzzi.
Ele relatou um caso especialmente impactante: alunos de escolas públicas foram inseridos na metodologia aplicada do Biopark, e os resultados evidenciaram impacto positivo significativo no desempenho, destacando esses estudantes do ensino tradicional. “A experiência mostra como a inovação na educação transforma realidades”, concluiu.
A fala de Donaduzzi reforça a ideia de que ecossistemas de inovação verdadeiramente integrados precisam pensar além da relação universidade-empresa e considerar também a formação de base que prepara os profissionais do futuro. A inovação educacional é, assim, um pilar complementar fundamental para sustentar modelos colaborativos de negócios.
A Plenária 4 deixou claro que novos modelos de negócios colaborativos vão exigir, de todos os atores envolvidos, novos modos de cooperar. Startups trazem agilidade e foco em soluções concretas. Universidades detêm conhecimento profundo e capacidade de pesquisa de ponta. Empresas consolidadas possuem escala, recursos e acesso a mercados. E o governo tem o papel de criar políticas públicas que facilitem essas conexões.
No entanto, como demonstrado pelos dados apresentados por Igor Tupy, a cooperação no Brasil ainda está fortemente concentrada em pesquisa científica sem aplicação imediata, com baixa diversificação nos tipos de relacionamento e nas formas de remuneração. É necessário avançar em direção a parcerias mais aplicadas, que incluam consultoria técnica, desenvolvimento conjunto de produtos, transferência efetiva de tecnologia e modelos contratuais mais flexíveis.
Os ambientes de inovação — parques tecnológicos, incubadoras, aceleradoras — têm potencial para atuar como mediadores e catalizadores nesse processo, mas isso requer amadurecimento institucional, capacitação de gestores e, fundamentalmente, mudança de mentalidade tanto no meio acadêmico quanto no empresarial.
A 35ª Conferência Anprotec, ao propor o tema “Ecossistemas colaborativos e integrados à inovação global”, coloca o dedo nessa ferida necessária: a inovação brasileira só alcançará todo seu potencial quando conseguirmos efetivamente integrar conhecimento científico, empreendedorismo dinâmico, capital estratégico e políticas públicas inteligentes em um sistema verdadeiramente colaborativo.
Sobre a 35ª Conferência Anprotec
A 35ª Conferência Anprotec acontece até 16 de outubro de 2025, em Foz do Iguaçu (PR), com o tema “Ecossistemas colaborativos e integrados à inovação global”. Promovido pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o evento tem realização local do Sistema Estadual de Ambientes Promotores de Inovação do Paraná (Separtec), Fundação Araucária, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e Governo do Estado do Paraná.