Foz do Iguaçu, 14 de outubro de 2025 — Em um ambiente de inovação cada vez mais complexo e interconectado, a colaboração deixou de ser apenas desejável para se tornar imperativa. Foi com essa premissa que o Painel Temático 06 – “Desafios dos Ecossistemas Colaborativos: Perspectivas e Oportunidades” reuniu especialistas nesta quarta-feira, durante a 35ª Conferência Anprotec, para discutir como superar os obstáculos que ainda impedem o Brasil de extrair todo o potencial de sua rede de inovação.
Moderado por Luiz Márcio Spinosa, Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fundação Araucária, o debate evidenciou uma convergência clara: a transição de esforços isolados para resultados sistêmicos exige propósito compartilhado, governança viva, regras claras de integridade e conexões globais estratégicas.
Spinosa inaugurou o painel contextualizando três desafios estruturais que permeiam o ecossistema brasileiro de inovação. O primeiro deles é a histórica dificuldade em harmonizar produção científica e inovação de mercado. Universidades e centros de pesquisa produzem conhecimento de qualidade internacional, mas a transferência desse conhecimento para aplicações comerciais ainda enfrenta barreiras significativas.
O segundo desafio está relacionado à fragmentação da cadeia TRL (Technology Readiness Level), escala desenvolvida pela NASA nos anos 1970 que mede o nível de prontidão tecnológica em nove níveis — da prova de conceito inicial (TRL 1) até a tecnologia operacional no mercado (TRL 9). No Brasil, tecnologias frequentemente avançam até os níveis intermediários (TRL 3 a 6), fase em que recebem apoio de agências como a Embrapii, mas encontram dificuldades para escalar até os estágios finais de comercialização.
A escala TRL transcendeu sua origem aeroespacial e é hoje amplamente utilizada por agências de fomento para avaliar a relevância de projetos e estimar curvas de investimentos necessários. O problema brasileiro não é a falta de inovação, mas a descontinuidade no financiamento e no suporte à medida que as tecnologias amadurecem — o que especialistas chamam de “vale da morte” do desenvolvimento tecnológico.
O terceiro desafio estrutural apontado por Spinosa diz respeito à criação de mecanismos estáveis de investimento público-privado. Políticas públicas de inovação sofrem com descontinuidades administrativas, enquanto o capital privado ainda hesita em investir em estágios iniciais de desenvolvimento tecnológico, criando um gargalo crítico.
Diante desses obstáculos, o moderador destacou três grandes oportunidades que podem reposicionar o Brasil no cenário global de inovação. A primeira é a criação de redes globais que permitam a mobilidade de pesquisadores e startups, conectando habitats de inovação brasileiros a ecossistemas internacionais.
A segunda oportunidade está na paradiplomacia científica e da inovação — conceito que reconhece o papel de universidades, parques tecnológicos e governos locais como atores internacionais capazes de estabelecer conexões diretas com parceiros estrangeiros, independentemente da diplomacia tradicional. Esse movimento já é realidade em outros países, onde cidades e regiões criam seus próprios acordos de cooperação técnico-científica.
A diplomacia da inovação vai além da diplomacia científica tradicional ao envolver não apenas instituições acadêmicas, mas toda a quádrupla hélice — governo, academia, setor privado e sociedade civil — na promoção de transferência de tecnologia, desenvolvimento de empresas de base tecnológica e atração de investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
A terceira janela de oportunidade são novas frentes de cooperação internacional, especialmente com Europa e Ásia, onde parques tecnológicos e universidades brasileiras podem atuar como nós de confiança em redes globais de inovação.
Camila Aloi, Gerente da Rede Academia do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), trouxe ao painel a experiência prática da Coalizão pelo Impacto, um programa filantrópico de cinco anos que opera em seis cidades nas cinco regiões brasileiras. A iniciativa demonstra como é possível conciliar governança nacional com autonomia local — um dos maiores desafios da gestão de redes colaborativas.
O modelo adotado pela Coalizão estabelece uma governança nacional que define diretrizes estratégicas gerais, mas delega aos conselhos locais a autonomia para adaptar ações às especificidades regionais. O aprendizado central, segundo Aloi, foi a necessidade de desenhar um propósito comum forte o suficiente para unir atores diversos, mas flexível o bastante para permitir adaptações contextuais.
Além da Coalizão, o ICE articula uma rede com mais de 400 docentes em 167 instituições de ensino superior para transversalizar o impacto socioambiental positivo nos currículos universitários. A proposta é posicionar a universidade como orquestradora de ecossistemas, unindo inovação tecnológica e impacto social em uma abordagem integrada.
Um dos casos mais emblemáticos de construção colaborativa no ecossistema brasileiro é o modelo CERNE (Centro de Referência para Apoio a Novos Empreendimentos), relatado por Sheila Oliveira Pires, Assessora da Diretoria de Planejamento e Gestão da Embrapii e ex-superintendente executiva da Anprotec, cargo que ocupou por 19 anos e no qual liderou o desenvolvimento e lançamento do modelo CERNE.
Desenvolvido pela Anprotec em parceria com o Sebrae, o CERNE foi criado com o objetivo de ampliar a capacidade das incubadoras em gerar, sistematicamente, empreendimentos inovadores bem-sucedidos, estruturando-se em quatro níveis de maturidade que abordam desde a geração de negócios inovadores até a internacionalização.
Sheila recordou que a ideia inicial de “certificar incubadoras” encontrou resistência até que o processo se transformou em uma construção participativa. Workshops itinerantes reunindo incubadoras, Sebrae, MDIC, Finep e outros atores criaram um ambiente de coautoria baseado em confiança mútua.
Desde o lançamento oficial da certificação em 2011, mais de 100 ambientes de inovação já foram certificados pelo modelo CERNE ao longo de mais de uma década de implementação, demonstrando não apenas a rápida adesão inicial, mas a consolidação e expansão contínua do modelo. A lição que emergiu dessa experiência é clara: colaborar demanda mais trabalho inicial, mas gera adoção ampla, durabilidade e melhoria contínua. O papel crítico dos gestores de habitats de inovação mudou — deixaram de “mandar” para facilitar governança.
Em uma apresentação que surpreendeu pela abordagem pragmática, Cristiano Coimbra, Coordenador-Geral de Auditoria da Área de Educação Superior e Profissional na Controladoria-Geral da União (CGU), demonstrou como órgãos de controle podem viabilizar ecossistemas de inovação em vez de engessá-los.
A CGU, em parceria com a AGU e o MCTI, produziu um guia de interpretação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016) frente à Lei de Conflito de Interesses, esclarecendo questões práticas sobre formação e participação societária de pesquisadores, remuneração por propriedade intelectual, acordos de cooperação técnica com empresas próprias e uso de infraestrutura pública.
O documento estabelece entendimentos sobre a possibilidade de pesquisadores constituírem empresas para desenvolver atividades empresariais relacionadas à inovação e sobre a realização de parcerias entre Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) e empresas que tenham pesquisadores da ICT em seu quadro societário.
A abordagem defendida por Coimbra é “menos formalismo cego, mais integridade contextual”: mitigar riscos reais com regras claras de decisão e transparência, desbloqueando o empreendedorismo acadêmico e as parcerias público-privadas dentro das ICTs. É uma mudança de paradigma no papel do controle público — de fiscal para viabilizador.
Bárbara Carole Passos Alves, Head de Inovação e Empreendedorismo da PPDRU/UNIFACS, trouxe um recorte regional que expôs os desafios particulares do ecossistema de inovação do Nordeste. Apesar do volume significativo de atores e eventos, a região sofre com fragmentação, insegurança jurídica, descontinuidade de políticas e baixa atração de capital growth e late-stage.
O resultado é o que Bárbara chamou de “síndrome do avião”: startups decolam na região, mas migram para outros estados ou países quando precisam escalar. A fuga de talentos e empresas não resulta apenas da falta de capital, mas da ausência de um ecossistema maduro capaz de sustentar o crescimento das startups em estágios avançados.
Os fatores críticos identificados para reverter esse cenário incluem governança efetiva dos ecossistemas locais, criação de redes focadas em métricas e resultados mensuráveis, continuidade de políticas públicas entre diferentes gestões e construção de pontes sólidas entre academia e indústria com segurança regulatória — exatamente o tipo de orientação que o guia da CGU busca oferecer.
O painel convergiu para uma ideia central: a força dos ecossistemas colaborativos está no equilíbrio — entre autonomia e coordenação, liberdade e integridade, visão local e conexões globais.
Da discussão emergiram quatro princípios que orientam esse novo paradigma: propósito compartilhado, governança viva, regras claras de integridade e conexões globais estratégicas.
Mais do que um desafio técnico, trata-se de uma transformação cultural. O Brasil já reúne pesquisa de qualidade, empreendedores talentosos e uma rede crescente de ambientes de inovação. O passo seguinte é orquestrar esses elementos em sistemas coerentes e sustentáveis — um movimento que, como demonstrou o painel, já começou a tomar forma.
Sobre a 35ª Conferência Anprotec
A 35ª Conferência Anprotec acontece de 13 a 16 de outubro de 2025, em Foz do Iguaçu (PR), com o tema “Ecossistemas colaborativos e integrados à inovação global”. Promovido pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o evento tem realização local do Sistema Estadual de Ambientes Promotores de Inovação do Paraná (Separtec), Fundação Araucária, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e Governo do Estado do Paraná.