
A transformação de conhecimento técnico-científico em soluções disruptivas de mercado tem sido um dos maiores desafios dos ecossistemas de inovação contemporâneos. Durante a 35ª Conferência Anprotec, realizada em Foz do Iguaçu, o workshop “Da Formação Técnica à Startup Deep Tech: Os Institutos Federais de Ciência e Tecnologia na Arquitetura da Inovação” reuniu especialistas para debater como essas instituições estão se consolidando como infraestrutura estratégica nessa travessia — da educação profissional às startups de base tecnológica profunda, as chamadas deep techs.
Institutos Federais: infraestrutura distribuída para inovação regional
A mediação do painel ficou a cargo de Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão, pró-reitora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que contextualizou o debate destacando que os Institutos Federais e universidades não podem ser vistos apenas como espaços de formação profissional, mas como verdadeiros motores de transformação econômica e social. Para ela, especialmente em regiões como a Amazônia, onde os desafios de sustentabilidade se entrelaçam com as dinâmicas de inovação, essas instituições precisam assumir papel protagonista na mediação entre conhecimento técnico, ciência aplicada e demandas territoriais concretas.
“A inovação inclusiva só acontece quando as instituições de ensino dialogam profundamente com seu território. Não se trata apenas de formar mão de obra qualificada, mas de construir respostas locais para problemas globais”, enfatizou Maria Olívia.
Política pública como sustentação: a visão do MEC
Marcela Ferreira Paes França, coordenadora-geral de incentivo à cooperação e à inovação na educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, trouxe ao debate a perspectiva das políticas públicas nacionais. Em sua apresentação, Marcela sublinhou que os Institutos Federais são peças-chave na estratégia brasileira de democratização da inovação, funcionando como portas de entrada para a economia baseada em conhecimento.
Segundo ela, a Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (PNEPT), instituída pelo Decreto nº 12.603/2025, tem como um de seus pilares a indissociabilidade entre ensino, pesquisa, extensão e inovação. A política visa não apenas formar técnicos, mas também empreendedores capazes de criar negócios de base tecnológica, inclusive em setores estratégicos como biotecnologia, inteligência artificial, novos materiais e tecnologias ambientais.
Marcela destacou ainda a existência de 647 ambientes promotores de inovação distribuídos na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), incluindo incubadoras, espaços maker, aceleradoras e empresas juniores, que envolvem mais de 37 mil alunos e cerca de 1.200 servidores. “Esses ambientes são laboratórios vivos de empreendedorismo tecnológico, onde teoria e prática se encontram para gerar soluções escaláveis”, afirmou.
O debate sobre a formação técnica como base para negócios de base científica conecta-se também às conclusões do estudo Startup Deep Tech no Brasil – Guia Completo de Inovação (Emerge Brasil, 2023), que evidencia o papel decisivo das universidades e dos institutos federais na geração de tecnologias de fronteira. O levantamento mostra que mais de 80% das deep techs brasileiras têm origem em ambientes acadêmicos, o que reforça a importância de políticas públicas que integrem formação técnica, pesquisa aplicada e estímulo ao empreendedorismo tecnológico.
A coordenadora também apresentou iniciativas como os Polos de Inovação EMBRAPII e o Sistema Rede Integra, que articula currículos, laboratórios, tecnologias e serviços oferecidos pela Rede Federal, facilitando parcerias entre instituições de ensino e o setor produtivo. Entre 2014 e 2025, as 13 unidades EMBRAPII vinculadas aos Institutos Federais executaram 426 projetos com 384 empresas, mobilizando mais de R$ 318 milhões em investimentos para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I).
A experiência do IFPR: capilaridade e impacto territorial
Adriano Willian da Silva Viana Pereira, reitor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), compartilhou a trajetória da instituição na construção de um ecossistema de inovação robusto e territorialmente distribuído. Ele ressaltou que a capilaridade da Rede Federal — presente em mais de 660 unidades espalhadas pelo Brasil, incluindo novos campi resultantes da expansão da educação profissional — é um diferencial estratégico para levar inovação a regiões distantes dos grandes centros urbanos.
Adriano destacou programas de pré-incubação, incubação e aceleração de startups que vêm apresentando resultados concretos, permitindo que projetos acadêmicos se transformem em negócios viáveis. “Nossos alunos não são apenas futuros empregados. Eles são potenciais fundadores de empresas que podem transformar suas comunidades”, afirmou o reitor.
O IFPR também tem investido na formação continuada de seus professores e técnicos, capacitando-os para atuar como mentores e facilitadores de inovação, reforçando a conexão entre sala de aula, laboratórios de pesquisa e ecossistemas regionais.
Continuidade institucional e valorização profissional
Marcelo Bregagnoli, representante da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC), trouxe ao debate a necessidade urgente de consolidar a inovação como política de Estado, e não como iniciativa dependente de gestões pontuais. Segundo ele, a sustentabilidade dos ambientes de inovação nos Institutos Federais exige governança estruturada, financiamento contínuo e valorização dos profissionais envolvidos.
“A arquitetura da inovação não se sustenta sem continuidade. Programas bem-sucedidos precisam se transformar em políticas perenes, blindadas de descontinuidades políticas”, afirmou Bregagnoli. Ele também enfatizou que professores e técnicos administrativos são os verdadeiros motores dos ecossistemas de inovação dentro dos Institutos, sendo essencial reconhecer e valorizar seu trabalho para garantir a expansão e a qualidade dessas iniciativas.
PROFNIT: formação avançada para gestão da inovação
Fechando o painel, a professora Andrea Waichman, docente titular da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação (PROFNIT), apresentou como a formação em nível de mestrado profissional tem sido fundamental para qualificar gestores de inovação capazes de atuar na interface entre ciência e mercado.
O PROFNIT é uma rede nacional de pós-graduação que reúne mais de 40 instituições, com 16 pontos focais em Institutos Federais, representando 36% da rede. Com mais de 600 docentes envolvidos, o programa forma profissionais preparados para lidar com propriedade intelectual, transferência de tecnologia, valoração de ativos intangíveis, gestão de incubadoras e negociação de contratos de inovação.
Andrea Waichman apresentou o conceito de pipeline de inovação, um modelo que integra diferentes estágios de maturidade tecnológica (TRL) aos ambientes já existentes nos Institutos Federais. Segundo ela, essa jornada começa nos espaços IF Maker, onde acontecem a ideação e prototipagem rápida dos projetos ainda em fase inicial. Na sequência, as Empresas Juniores assumem o papel de validar o valor dessas soluções junto a clientes reais, testando a viabilidade no mercado.
Quando os projetos amadurecem, as incubadoras certificadas pelo modelo CERNE da ANPROTEC entram em cena para apoiar o desenvolvimento de modelos de negócio estruturados. Paralelamente, os Polos EMBRAPII atuam na pesquisa e desenvolvimento aplicado, conectando as instituições com demandas industriais concretas. Por fim, as startups alcançam o estágio de deep tech, quando estão prontas para validação final e escala comercial.
“Os Institutos Federais, aliados ao PROFNIT, podem ser a espinha dorsal das deep techs brasileiras. Eles combinam formação profissional aplicada, laboratórios distribuídos, governança de PI e TT, e vínculos institucionais com empresas e governos. O salto acontece quando o percurso formativo — do técnico à pós-graduação — se integra ao pipeline de maturação tecnológica e às rotas de financiamento”, explicou Andrea.
Ela também destacou a importância da sinergia entre Institutos Federais, PROFNIT, EMBRAPII e ANPROTEC para criar um ecossistema completo e capilarizado, capaz de fazer com que deep techs nasçam da pesquisa nos IFs, tenham sua propriedade intelectual protegida e valorada, sejam aceleradas por parcerias industriais e escalem com identidade regional, governança sólida e métricas de valor claras.
Um chamado à ação coletiva
Ao encerrar sua apresentação, Andrea Waichman lançou um apelo direto aos diferentes públicos presentes. Para acadêmicos e pesquisadores vinculados aos Institutos Federais e ao PROFNIT, o recado foi claro: é hora de transformar pesquisas em soluções concretas, proteger a propriedade intelectual gerada e assumir o papel de empreendedores. Aos gestores e empresários, pediu uma mudança de olhar — enxergar os Institutos não apenas como fornecedores de mão de obra qualificada, mas como parceiros estratégicos na cocriação de inovação.
Já para os tomadores de decisão, a professora reforçou a necessidade de fortalecer políticas públicas que sustentem estruturas como os Institutos Federais, EMBRAPII, PROFNIT e ANPROTEC, criando condições duradouras para que a ciência se transforme efetivamente em impacto econômico e social.
E concluiu com uma mensagem de otimismo estratégico: “Os Institutos Federais têm rede, técnica e vocação; a rede PROFNIT organiza e acelera a travessia. A base está posta. O motor está ligado. Agora, vamos acelerar.”
Sobre a 35ª Conferência Anprotec
A 35ª Conferência Anprotec acontece de 13 a 16 de outubro de 2025, em Foz do Iguaçu (PR), com o tema “Ecossistemas colaborativos e integrados à inovação global”. O evento é promovido pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com realização local do Sistema Estadual de Ambientes Promotores de Inovação do Paraná (Separtec), Fundação Araucária, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e Governo do Estado do Paraná.