A publicação da 17ª edição do Relatório Doing Business 2020 (dados de 2019) do Banco Mundial e, mais recentemente, o recorte subnacional da mesma publicação (dados de 2020), ratificou nossa péssima colocação no cenário global e possibilitou uma comparação interestados. O Brasil amarga a 124ª posição no ranking de 190 países, mais ou menos o mesmo lugar de sempre. Duas vezes pior do que a classificação média dos demais países dos BRICS, por exemplo, e disputando no olho mecânico com o Paraguai (125º).
Mas o mergulho na realidade das capitais brasileiras, feito pela primeira vez, mexeu com os brios da pessoa comum e aproximou mais o problema das lideranças políticas e empresariais. Nas minhas redes sociais, foi certamente um dos trending topics do mês. Descobrir-se cinco vezes pior do que o Cazaquistão ou duas vezes mais inóspito para negócios do que o Kosovo ou Bielorússia (aquele país em que o presidente recomenda vodka contra a covid) é realmente desagradável. Mas pior é saber que o lugar onde você mora toma três vezes mais tempo para conceder um alvará de construção ou para licenciar um negócio que seu estado vizinho. Ou que sua cidade cobra 10 vezes mais para abrir uma empresa em comparação com outra.
Pelo que se vê nos meios de comunicação, o índice parece ter despertado nos governantes uma disposição de ir além de promessas de reformas que nunca chegam. O governo federal já vem endereçando a questão por meio de um conjunto de iniciativas, com destaque para a lei da liberdade econômica (Lei nº 13.874/2019). Os governos estaduais e municipais, através de seus comitês de desburocratização ou equivalentes, tentam adequar-se ou mesmo avançar, ampliando, por exemplo, o número de CNAEs isentos de alvará para início de funcionamento – um dos pontos críticos na performance do país no referido ranking.
Tudo isso ajuda, mas tem alcance limitado. Primeiro porque as mudanças em curso se dão no contexto de um emaranhado de leis conflitantes entre si, dentro de cada nível e entre os níveis de governo, trazendo insegurança jurídica e retardo na implementação das melhorias propostas. Segundo, porque a questão tributária, maximus inter maximus dos problemas, segue sendo tabu, e nenhum ator, seja público ou privado, parece disposto a abrir mão de receita, ainda mais agora em momento de crise econômica. A balbúrdia que tem sido a condução da reforma fiscal, onde governo federal, congresso e mercado não se entendem em nada, espelha bem a nossa realidade e justifica porque somos o 184º país no quesito impostos do referido estudo do Banco Mundial.
Em terceiro, porque a questão de fundo nunca é tocada: gente. Muito do nosso atraso decorre da baixa produtividade do capital humano. Ora tangenciamos o problema, como quando confundimos melhoria de competitividade do setor produtivo com melhoria do ambiente de negócios (estão relacionadas, mas não são a mesma coisa); ora erramos o alvo, como quando, para fins de equilíbrio fiscal, asfixiamos o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação e, dentro dele, com frieza e rigor matemático, suprimimos verbas para a formação de pesquisadores e capital humano qualificado.
O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações foi reduzido em cerca de 29% em relação ao já minguado 2020, sendo hoje metade do que foi há oito anos. As universidades e Institutos Federais sofreram cortes de aproximadamente 20%, equivalendo a um sequestro de cerca de R$ 1 bilhão.
A atividade empresarial se ressente do apagão de mão de obra. A CNI – Confederação Nacional da Indústria, projeta um déficit de 300 mil trabalhadores somente nas atividades relacionadas com digitalização e automação industrial. Esse número é similar ao que se estima de vagas em aberto no setor de tecnologia da informação.
Pelo ranking do Doing Business 2020, o pior lugar do mundo é a Somália. Com um pouco mais de esforço, o país da cloroquina, do orçamento secreto e do desmantelo político chega lá.
Autor: Francisco Saboya – Presidente da Anprotec
Fonte: Canal MyNews