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A Incubadora Amazonas Indígena Criativa (AmIC), vinculada à Universidade Federal do Amazonas, foi contemplada com o prêmio de melhor artigo completo da 27a Conferência Anprotec pelo trabalho “Inovação e sustentabilidade no empreendimento criativo – Arte da Poranga Nativa”. Durante a Conferência, Sandra Helena da Silva, coordenadora da AmIC, concedeu entrevista à Anprotec em que destacou a atuação da Incubadora e falou sobre o trabalho com empreendedores indígenas, entre outros tópicos.
A senhora poderia começar falando um pouco sobre sua trajetória pessoal até chegar à coordenação da Incubadora Amazonas Indígena Criativa (AmIC)?
Eu sou Sandra Helena da Silva, eu sou paulista, há oito anos estou na Universidade Federal do Amazonas, no Campus de Parintins. Sou servidora pública federal, professora do curso de Serviço Social em Parintins e, há dois anos, quando terminei meu doutorado, fui convidada para coordenar uma incubadora denominada Incubadora Amazonas Indígena Criativa, que tinha sido criada dois anos antes. Pela minha experiência com projetos sociais que eu já desenvolvia naquela região, principalmente na área rural, me convidaram para essa empreitada.
Qual é o foco da Incubadora?
Essa incubadora surgiu de uma parceria com o Ministério da Cultura, por meio da Secretaria de Economia Criativa, que agora é Secretaria de Economia da Cultura e, desde então, estamos trabalhando com empreendedores da nossa região. Trabalhamos com empreendedores cujos produtos ou serviços tenham como foco a valorização da cultura amazônica. Então tudo que eles produzem precisa ter uma valorização dessa riqueza, de bio-sociodiversidade, ou da cultura indígena, cabocla ou urbana, como é que se vive no Amazonas.
Quando um turista ou cliente vai comprar um determinado produto, ao olhar aquele produto, ele tem que identificar que aquilo é do Amazonas, então isso, para nós, é um ponto fundamental para a gente poder assessorar um determinado empreendedor.
Quantos empreendimentos estão atualmente incubados na AmIC e quais são os principais setores de atuação das incubadas?
Hoje, nós assessoramos sete empreendimentos, que a gente diz que são do setor criativo, cultural, solidário, porque a gente não consegue pensar em um segmento único e exclusivo. Até porque a criatividade está presente no mundo cultural, assim, como trabalhamos com associações e cooperativas, nós temos essa perspectiva da solidariedade. Esse viés se faz muito presente nos empreendimentos que nós atuamos, além de muitos deles serem familiares. Para boa parte dos nossos empreendedores, a força de trabalho é da unidade familiar. Essa é uma outra característica dos empreendedores que a gente tem assessorado nesses dois anos.
Os empreendedores que chegam até a AmIC têm perfil universitário?
Nenhum dos nossos empreendedores são da universidade. Nós temos um objetivo de criar um coworking só para estudantes, mas nós ainda trabalhamos só com empreendedores do setor de artesanato, biojóia, turismo de base comunitária e arte indígena.
Temos um outro projeto interessante, que não está dentro desse segmento, mas é um projeto de impacto socioambiental, um projeto mais solidário. É um empreendedor que desenvolveu uma fossa ecológica junto com seus alunos na disciplina de ciências, na escola, no ensino fundamental. Na área rural, em boa parte do Brasil, há uma ausência de saneamento básico, muitas doenças hídricas, então a fossa ecológica tem sido interessante.
A senhora poderia falar um pouco sobre a iniciativa que resultou na premiação na Conferência Anprotec?
Nós recebemos o prêmio da Anprotec de melhor artigo por um case que nós trabalhamos em Parintins, ligado a um empreendedor indígena. É diferente você trabalhar com um empreendedor que não seja indígena, porque a forma de você dialogar com esse empreendedor é muito mais facilitada, ele tem muito mais entrada e mais facilidade de comunicação, de aceitação dessa lógica produtiva dos planos de negócio, da gestão, da organização de um determinado empreendimento.
Já o indígena tem um pouco mais de dificuldade, até porque não é o horizonte dele, muitos deles estão na aldeia e vem para a cidade na busca pela educação, na busca por melhorar a qualidade de vida, então ele tem uma resistência com o não indígena. Para nós iniciarmos o trabalho, foram mais de seis meses de conversa, de diálogo, de mostrar a importância da incubadora, de mostrar que aquilo poderia trazer um resultado positivo. Lembrando que uma das nossas metas junto ao Ministério da Cultura é a de assessorar indígenas.
Depois de seis meses “de namoro”, conseguimos trabalhar com o Douglas Sateré-Mawé, um dos empreendedores que mais se destaca na cidade. Nós temos indígenas dentro da equipe, o que foi fundamental para esse projeto. Eu tenho alunos na graduação que são indígenas. Tudo isso ajuda nessa ponte junto ao empreendedor indígena.
Como foi a dinâmica desse trabalho?
Quando nós iniciamos o trabalho, muitas vezes, tínhamos que inserir um recurso financeiro para que o empreendimento dele pudesse se fortalecer, principalmente essa parte de equipamento que no início estava muito fragilizada. Hoje ele tem uma autonomia financeira e conseguiu se estabelecer no mercado. Um ponto que nós avaliamos como fundamental foi a eliminação dos intermediários, que faziam com que ele ficasse na dependência desses intermediários que compravam o produto dele a um custo baixo e revendiam para lojistas e outros mercados, até internacionais, a um custo muito maior.
Os resultados foram ótimos então?
Sim, hoje ele vende para lojistas, mercados, até internacionais, conseguimos criar uma logomarca, ele está na internet; então a gente o vê como um case de sucesso pelas dificuldades que nós tivemos de chegar até ele, de fazer com que ele aderisse ao projeto da incubadora. Nossa contribuição foi no sentido de garantir que ele pudesse alavancar novos negócios. Atualmente, ele participa de feiras, coisa que ele nunca havia feito.
Quando nós vamos a feiras, principalmente internacionais, para eventos, ele geralmente já vai com tudo vendido, apenas para expor mesmo. Ele aumentou em média 30, 40% o faturamento dele nesses dois anos; e nós enxergamos isso como algo muito positivo.
A senhora poderia falar um pouco sobre essa relação entre a etnia Sateré-Mawé e o empreendedor Douglas Sateré-Mawé?
O Douglas trabalha basicamente com arte indígena, tudo que representa a cultura indígena, tudo que está representando a cultura dele, que é a etnia Sateré-Mawé, própria da região de Parintins e Barreirinha. Parintins é uma cidade polo na região do baixo Amazonas, então ela congrega o município de Barreirinha, de Maués, que são cidades hoje onde se tem o maior contingente de indígenas de etnia Sateré-Mawé. Nas aldeias, eles vivem basicamente da agricultura, então o artesanato acaba sendo uma estratégia de trabalho e renda na cidade.
Qual é a relação da AmIC com a Anprotec?
Nós tivemos um evento em setembro sobre o seminário nacional de empreendimentos criativos lá na região, lá tivemos a presença do Jorge Audy, que foi contribuir e participar do nosso evento. Foi um momento importante para ele conhecer de perto qual é o trabalho que incubadoras de empreendimentos sociais, culturais desenvolvem nas regiões, principalmente na região norte.
Eu acho que foi um diferencial ele ter ido porque, muitas vezes, a Anprotec fica bastante voltada para essas incubadoras tecnológicas e não potencializa as incubadoras de negócios de impacto socioambiental, como a nossa de empreendimentos criativos, culturais, e que tem um valor econômico, um valor social muito importante para a nossa região.
É preciso valorizar esse modelo de incubadoras para que elas possam avançar, crescer e incentivar o surgimento de muitas outras em nossa região. As incubadoras tecnológicas são extremamente importantes, mas as nossas, que trabalham com a base da pirâmide, são diferenciais também.
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