Especialistas brasileiros e internacionais destacam urgência de parcerias globais e foco setorial para ecossistemas emergentes superarem gargalos de maturidade e conectividade.
Foz do Iguaçu (PR), 13 de outubro de 2025 – A primeira plenária da 35ª Conferência Anprotec posicionou a internacionalização dos ecossistemas brasileiros como um imperativo estratégico para superar as limitações de escala e consolidar as cadeias de valor tecnológico. A sessão “Ecossistemas colaborativos e a inovação global: cenários e desafios”, mediada por Adriana Faria, presidente da Anprotec, expôs o descompasso entre a produção científica nacional e a capacidade de transformá-la em inovação aplicada, destacando a necessidade de uma vocação temática clara nos parques tecnológicos e a importância de colaboração internacional.
Adriana contextualizou o desafio brasileiro com dados comparativos. O Brasil possui cerca de 250 incubadoras ativas e 59 parques tecnológicos operacionais, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com estimativa de 15 mil startups. Em contraste, a recente missão da Anprotec à China revelou que o país conta com 500 mil startups apoiadas por 15 mil incubadoras. “Estou dizendo isso pela questão da escala. O soft landing é extremamente importante para nós como estratégia de catch-up, inclusive de atração tecnológica”, afirmou a presidente.
Menos de 30% dos parques brasileiros mantêm atividades estruturadas de internacionalização, muitos por acreditarem que parques jovens devem esperar antes de buscar conexões globais. Adriana contestou essa percepção: investir em internacionalização desde o início acelera o desenvolvimento institucional através de redes de colaboração estabelecidas.
Dependência de subvenção e desconexão de mercados globais
Marcelo Nicolas Camargo, analista sênior em Cooperação Internacional da Finep, diagnosticou um problema estrutural na formação de startups brasileiras. Estudos sobre os ecossistemas de inovação identificam três fatores críticos para o sucesso de startups em os ambientes promotores: a gestão da inovação como prática constante da empresa, uma estrutura de capital sólida e a conexão com as cadeias globais de valor.
“Infelizmente, as nossas startups acabam viciadas nos recursos de subvenção econômica e muitas vezes não chegam ao mercado. Uma das causas é exatamente não ter visibilidade no mercado internacional. É fundamental que comecemos a pensar em como conectar os ambientes de inovação de forma estruturada nessas conexões globais”, argumentou Camargo.
O analista destacou a importância de mecanismos escaláveis que superem os acordos bilaterais tradicionais, historicamente limitados pela complexidade legislativa e as dificuldades de alinhamento entre países. Camargo citou iniciativas como a plataforma Eureka, que permite o cofinanciamento internacional através de uma avaliação técnica padronizada, e o iBRICS Network, que aproveita a presidência brasileira do BRICS para criar uma rede de cooperação entre os ambientes de inovação dos países-membros. Os parques tecnológicos são considerados peças-chave nesses programas, estabelecendo movimentos de conexão entre as empresas maduras com a avaliação de maturidade feita.
Camargo alertou sobre a criticidade da transferência tecnológica: o Brasil precisa ter clareza absoluta sobre quais áreas temáticas são fundamentais considerando o mercado, a matéria-prima e as competências. “A China aceitou uma série de coisas, contanto que a tecnologia fosse transferida. Agora não dá mais para voltar atrás. Precisamos garantir a transferência tecnológica efetiva nas parcerias”, destacou.
Regulação como barreira e oportunidade no agronegócio
Rodrigo Barbosa Nazareno, coordenador de Iniciativas para a Inovação do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), abordou a complexidade regulatória que afasta startups do agronegócio, setor que representa 25% do PIB brasileiro e provê alimento para quase 1 bilhão de pessoas no mundo com apenas 8% do território nacional. O maior obstáculo identificado não é criar tecnologia, mas navegar por regulamentações sobrepostas do Mapa, Ministério do Meio Ambiente e Anvisa.
A estratégia do Mapa envolve ferramentas de inteligência artificial que extraem informações publicadas no Diário Oficial da União para mapear requisitos regulatórios de forma clara, conectando demandas reais do setor a soluções tecnológicas. Essa abordagem reforça o papel da inteligência artificial no mapeamento regulatório, alinhando-se à transformação digital dos ecossistemas. Nazareno citou o caso de startup que desenvolveu uma luva tecnológica para colheita de fumo, substituindo equipamentos de proteção inadequados. Através de articulação com sindicatos, a empresa conseguiu demonstrar a viabilidade da solução e melhorar o regulamento vigente.
O coordenador argumentou que criar vitrines de sucesso que demonstrem como a inovação traz soluções concretas para o agronegócio é fundamental para atrair mais startups, parques tecnológicos e investidores nacionais e internacionais, permitindo que essas experiências positivas subsidiem melhorias regulatórias que facilitem o trabalho com inovação aberta.
Governança privada e laboratórios conjuntos como modelo europeu
Salvatore Majorana, presidente global da International Association of Science Parks and Areas of Innovation (IASP) e diretor do Kilometro Rosso Science Park (Itália), compartilhou a experiência do Kilometro Rosso Science Park, localizado em Bérgamo, segunda província manufatureira mais produtiva da Europa entre 170 regiões. O parque distingue-se por operar sob governança totalmente privada, iniciativa de um empresário local como forma de retribuição à comunidade.
O diferencial competitivo está nos laboratórios conjuntos entre universidades e empresas, que compartilham espaços físicos e abordam desafios comuns em áreas como robótica. “Esse modelo produziu novas patentes e aplicações. A universidade descobriu questões práticas que desconhecia, e as empresas aprenderam como aplicar robótica em seus campos. Desenvolvemos avatares robóticos que permitem operar plantas ao redor do mundo mantendo pessoal qualificado em locais estratégicos”, detalhou Majorana.
Sobre o financiamento, o presidente da IASP destacou que a Itália aprovou em 2025 legislação que obriga fundos de pensão a investir até 5% dos ativos em startups de alto risco, medida que deve aumentar significativamente a disponibilidade de capital para o setor. Quanto à internacionalização de parques em fase inicial, Majorana foi enfático: não existe momento único para começar. Citou o Konza Technopolis no Quênia, ainda em construção, que já mobiliza comunidade internacional de forma ativa. “Existem muitos momentos certos para começar a nutrir ambições internacionais. A IASP pode ser uma das ferramentas, certamente não a única, mas talvez uma das mais seguras para iniciar esse processo”, afirmou.
Vocação temática como pré-requisito para competitividade
Adriana reforçou dados de estudo recente do MCTI sobre parques tecnológicos que apontam a necessidade de uma vocação clara como estratégia competitiva. A generalidade temática dispersa recursos sem gerar diferenciação. “É muito genérico dizer que trabalhamos com segurança alimentar ou transição energética. Isso pode ser um milhão de coisas. Quem faz tudo às vezes não faz nada. Quanto mais especializado o parque é dentro de determinadas áreas, mais chance de ter resultados efetivos. Isso facilita o posicionamento global em parcerias estratégicas”, argumentou a presidente.
Camargo complementou alertando para a descontinuidade de políticas públicas. “Lançamos o primeiro programa de parques em 2010, depois de 2013, só voltamos em 2021 e agora outro recentemente. Não dá para construir política de longo prazo com soluços de 10 em 10 anos. Os melhores parques buscaram identidade e hoje se consolidaram como geradores de tecnologia”, destacou o analista.
A discussão incorporou dados sobre certificação CERNE, modelo de referência da Anprotec para processos de incubação. Das 120 incubadoras certificadas no Brasil, menos de 20% possuem nível 4, que exige práticas internacionais estruturadas. Adriana concluiu que é fundamental romper o paradigma de que a conexão internacional é exclusiva para parques grandes e maduros, incorporando a internacionalização como norte estratégico desde o planejamento inicial.
Sobre a 35ª Conferência Anprotec
A 35ª Conferência Anprotec acontece de 13 a 16 de outubro de 2025 em Foz do Iguaçu (PR), com o tema “Ecossistemas colaborativos e integrados à inovação global”. O evento é promovido pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A realização local é do Sistema Estadual de Ambientes Promotores de Inovação do Paraná (Separtec), da Fundação Araucária, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e do Governo do Estado do Paraná.
Navegue pelo site da 35ª Conferência Anprotec e confira a programação completa.