Os especialistas ensinam que planejamento é o contrário de improviso. Fora do planejamento, tudo é aventura. No planejamento, construímos futuros. No improviso, somos arrastados pelas circunstâncias: o destino é um lugar que nunca chega e o longo prazo não resiste a um vento forte. No improviso, é um salve-se quem puder a cada instante, e o futuro é matéria de arrivistas.
No passado, os navegadores eram mais prudentes. Além dos instrumentos e cartas náuticas, carregavam qualquer informação que pudesse ajudar na missão. Muito apreciadas eram as instruções de outros que haviam feito percurso similar. Cabral é um exemplo de que isso funciona.
Restou pouca coisa dessa expedição. Um desses salvados é a deliciosa carta de Caminha. Outro, são as orientações fornecidas por Vasco da Gama, que tinha acabado de retornar do oriente e conhecia o regime das águas e dos ventos do mar oceano.
O marinheiro magistral registrou que, para contornar o continente africano, era recomendável fazer a volta do mar, se afastar da costa na direção do que veio a ser mais tarde o Brasil – precisamente a 600 léguas do litoral sul da Bahia – e só depois então apontar para o Cabo da Boa Esperança. Essa é uma das explicações possíveis para a tranquilidade que foi o “achamento” do nosso país.
Acontece que, depois de achado, o Brasil vez por outra dá um perdido nele mesmo por falta de quem pegue o leme com conhecimento de causa. Construir um país sem educação e ciência é como navegar sem piloto e instrumentos. Parado, no porto, você até sabe onde está. Mas no mar aberto, fica a critério das ondas. Boiando feito balsa n’agua.
O excesso de improviso na gestão pública federal, o descaso com a ciência e o descompromisso com o país são a única explicação razoável para a situação atual do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –, agência que há 70 anos suporta a pesquisa e formação de cientistas, pesquisadores, tecnólogos, professores de pós-graduação. De bolsas de iniciação científica até pesquisas avançadas sobre qualquer coisa, quase tudo tem o dedo do CNPq.
Quem vem acompanhando o calvário do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação teve, essa semana, mais um choque. Previsível, aliás. A precarização acelerada do CNPq acaba de evaporar – roga-se para que exista backup de tudo! Os dados de uma centena de milhares de pesquisadores brasileiros e colaboradores estrangeiros cujos históricos de estudos, publicações científicas, grupos de pesquisa, projetos e currículos, entre outros, estão registrados em um complexo de sistemas indisponíveis há 5 dias. E sem previsão de retorno.
Problemas de acesso já vêm sendo reportados há mais de um mês pelos usuários. Sistemas dão tilt. Justo por isso, quanto mais críticas as informações, mais seguros e controlados devem ser os ambientes onde operam. Redundância é o básico nessa arquitetura. Mas, a julgar pelas quantidades de posts nas redes sociais e grupos de WhatsApp, em que profissionais do próprio CNPq e instituições conexas pedem socorro externo, de servidor de backup a apoio técnico, a coisa parece ser muito séria.
O CNPq informou nas mídias que está tomando as medidas necessárias, e assegura que dispõe de novos equipamentos de TI, tendo a migração dos dados sido iniciada antes do ocorrido. Respostas vagas assim aumentam a apreensão e desconfiança quanto ao que verdadeiramente importa: a capacidade do órgão de promover a recuperação integral dos dados. Sem abrir o jogo, o MCTIC e a Agência passam a ideia de que o buraco é mais fundo.
E é mesmo, ainda que tudo dê certo nesse assunto.
Agora é esperar o próximo serviço público que vai colapsar. O país dos apagões está se tornando uma gigantesca nuvem de vagalumes.
Autor: Francisco Saboya – Presidente da Anprotec
Fonte: Canal MyNews